domingo, 24 de abril de 2011

pesquisa qualitativa

INTRODUÇÃO
Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida
por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados. Nada
de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar
determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento
que são, aí sim, bastante pessoais.
Contudo, ao escrevermos nossos relatórios de pesquisa ou teses de doutorado,
muitas vezes nos esquecemos de relatar o processo que permitiu a realização
do produto. É como se o material no qual nos baseamos para elaborar nossos
argumentos já estivesse lá, em algum ponto da viagem, separado e pronto para ser
coletado e analisado; como se os “dados da realidade” se dessem a conhecer, objetivamente,
bastando apenas dispor dos instrumentos adequados para recolhê-los.
Não parece ser assim que as coisas se passam. A definição do objeto de pesquisa
assim como a opção metodológica constituem um processo tão importante
para o pesquisador quanto o texto que ele elabora ao final. De acordo com Brandão
(2000), a tão afirmada, mas nem sempre praticada, “construção do objeto” diz respeito,
entre outras coisas, à capacidade de optar pela alternativa metodológica mais adequada
à análise daquele objeto. Se nossas conclusões somente são possíveis em razão
dos instrumentos que utilizamos e da interpretação dos resultados a que o uso dos
instrumentos permite chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir
uma formalidade, oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse
modo, avaliar com mais segurança as afirmações que fazemos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

quarta-feira, 20 de abril de 2011

artigo

http://www.scielo.br/pdf/rpc/v30n5/a07v30n5.pdf

Pesquisa qualitativa

REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DE CAMPO

De modo geral, durante a realização de uma pesquisa algumas questões são colocadas de forma bem imediata, enquanto outras vão aparecendo no decorrer do trabalho de campo. A necessidade de dar conta dessas questões para poder encerrar as etapas da pesquisa freqüentemente nos leva a um trabalho de reflexão em torno dos problemas enfrentados, erros cometidos, escolhas feitas e dificuldades descobertas.

Este trabalho surgiu da necessidade de partilhar algumas informações e reflexões acerca do recurso à pesquisa qualitativa que, apesar dos riscos e dificuldades que impõe, revela-se sempre um empreendimento profundamente instigante, agradável e desafiador.



A SELEÇÃO DE SUJEITOS EM ABORDAGENS QUALITATIVAS

De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas, quase sempre longas e semi-estruturadas. Nesses casos, a definição de critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do trabalho de campo será assentado.

A pesquisa que gerou as reflexões trazidas neste trabalho (Duarte, 2000), tinha como objeto de estudo o processo de formação profissional de cineastas brasileiros e, nesse caso, a escolha dos entrevistados esteve vinculada à necessidade de compreender o referencial simbólico, os códigos e as práticas daquele universo cultural específico, que não apresenta contornos muito bem definidos. Como saber, por exemplo, quem de fato pertencia, naquele momento, à categoria de cineasta no Brasil? Se não se trata de uma profissão legalmente regulamentada, com exigências explícitas do ponto de vista da formação escolar/acadêmica, como saber quem poderia ser considerado diretor de cinema? A partir de que critérios passa-se a ser considerado membro de uma categoria profissional desse tipo? Essas questões precisaram ser respondidas antes do início do trabalho de campo.

Entre 1988 e 1990, uma equipe de pesquisadores da Universidade Paris 8, na França, realizou uma investigação que tinha como objeto de estudo as formas de aprendizagem e de organização de uma categoria profissional denominada Les Réalisateurs1, que, naquele contexto, é composta por diferentes setores cujas atividades estão relacionadas a produtos audiovisuais – cinema, televisão, vídeo, publicidade, filmes institucionais, filmes e vídeos educativos, documentários entre outras.

A primeira parte do relatório dessa pesquisa fala, justamente da enorme dificuldade encontrada pela equipe de delimitar seu universo de estudo e buscar uma definição, mesmo que provisória, para um meio profissional resistente a qualquer categorização genérica. Os pesquisadores assinalam que desde o começo puderam perceber que, quando se trata de um setor ou grupo social cujas delimitações são muito fluidas, a definição da base da enquete constitui-se um problema.

Naquele caso, a solução encontrada foi a de trabalhar com três abordagens diferentes – uma genealógica: origem social do termo "realizador"; uma empírica: verificar, mediante a pesquisa qualitativa, como os realizadores se percebem e a partir de que categorias organizam o discurso sobre sua atividade profissional; e outra, bibliográfica: análise de textos profissionais, da imprensa especializada e de documentos sindicais.

Vencida essa etapa, a equipe considerou possível traçar um esboço da categoria profissional em questão, partindo para a elaboração de um cadastro com dados biográficos dos sujeitos reconhecidos pelo meio como profissionais da área. Esses dados foram obtidos por meio de cadastros de instituições ou entidades de classe e da realização de entrevistas semi-estruturadas com representantes dessas instituições. Com isso, organizou-se um banco de dados com referências de todos os realizadores de audiovisual em atividade na França naquele momento. Do banco de dados foram selecionados os sujeitos que viriam a ser entrevistados por meio de surveys.

A pesquisa sobre cineastas brasileiros também exigiu um mapeamento da população em estudo e a adoção de critérios bem definidos para a seleção dos entrevistados. Nesse caso, optou-se pelo sistema de rede2, no qual se busca um "ego" focal que disponha de informações a respeito do segmento social em estudo e que possa "mapear" o campo de investigação, "decodificar" suas regras, indicar pessoas com as quais se relaciona naquele meio e sugerir formas adequadas de abordagem. De um modo geral, as pessoas indicadas pelo "ego" sugerem que se procurem outras ou fazem referência a sujeitos importantes no setor e assim se vai, sucessivamente, amealhando novos "informantes". Essa é uma alternativa muito utilizada em pesquisas qualitativas e se tem mostrado produtiva. Alguém do meio, a partir do próprio ponto de vista, tem, relativamente, melhores condições de fornecer informações sobre esse meio do que alguém que observa, inicialmente de fora.

No meu caso, uma longa entrevista com um professor de cinema da Universidade Federal Fluminense ajudou a esboçar um mapa do grupo profissional em estudo e iniciar uma rede que viria permitir a incorporação progressiva de novos sujeitos à pesquisa. Vale dizer que esse professor veio a participar ainda de etapas posteriores da pesquisa, orientando eventualmente a seleção de entrevistados ou mesmo contribuindo para a análise da adequação de hipóteses ad hoc formuladas ao longo da investigação.

Contatos posteriores com o sindicato da categoria permitiriam a obtenção de informações mais precisas acerca de suas formas e instâncias de organização e de reconhecimento oficial. O sindicato dispunha, na ocasião, de um anuário relativamente atualizado, no qual constavam nomes e endereços de técnicos da indústria cinematográfica que exercem suas atividades nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, incluídas, aí, algumas centenas de pessoas oficialmente registradas como diretores de cinema.

Um dicionário de cineastas brasileiros, que também é uma forma de legitimação (Miranda, 1990) tornou-se, igualmente, fonte de consulta, pois trazia dados biográficos e filmográficos, incluindo participações em festivais e premiações de diretores de cinema socialmente reconhecidos, dados esses que viriam a ajudar na preparação das entrevistas. Desse modo, associando informações advindas de diferentes fontes, foi possível organizar um pequeno banco de dados, relativamente detalhado, que passou a funcionar como base para a construção da população da pesquisa.



DELIMITAÇÃO DO UNIVERSO DE SUJEITOS A SEREM ENTREVISTADOS

Numa metodologia de base qualitativa o número de sujeitos que virão a compor o quadro das entrevistas dificilmente pode ser determinado a priori – tudo depende da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações. Enquanto estiverem aparecendo "dados" originais ou pistas que possam indicar novas perspectivas à investigação em curso as entrevistas precisam continuar sendo feitas.

À medida que se colhem os depoimentos, vão sendo levantadas e organizadas as informações relativas ao objeto da investigação e, dependendo do volume e da qualidade delas, o material de análise torna-se cada vez mais consistente e denso. Quando já é possível identificar padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios, categorias de análise da realidade e visões de mundo do universo em questão, e as recorrências atingem o que se convencionou chamar de "ponto de saturação", dá-se por finalizado o trabalho de campo, sabendo que se pode (e deve) voltar para esclarecimentos.

No que diz respeito ao número de pessoas entrevistadas, o procedimento que se tem mostrado mais adequado é o de ir realizando entrevistas (a prática tem indicado um mínimo de 20, mas isso varia em razão do objeto e do universo de investigação), até que o material obtido permita uma análise mais ou menos densa das relações estabelecidas naquele meio e a compreensão de "significados, sistemas simbólicos e de classificação, códigos, práticas, valores, atitudes, idéias e sentimentos" (Dauster, 1999, p. 2). Eventualmente é necessário um retorno ao campo para esclarecer dúvidas, recolher documentos ou coletar novas informações sobre acontecimentos e circunstâncias relevantes que foram pouco explorados nas entrevistas.

Na pesquisa a que se refere este texto, o trabalho de campo foi interrompido quando se avaliou que com o material obtido seria possível: 1) identificar padrões simbólicos e práticas empregadas no universo estudado; 2) descrever e analisar diferentes trajetórias profissionais e construir hipóteses relativas ao processo de formação e de socialização profissional; 3) identificar valores, concepções, idéias, referenciais simbólicos que organizam as relações no interior desse meio profissional, buscando compreender seus códigos, o ethos3 profissional, mitos, rituais de consagração e legitimação, diferentes visões de cinema e concepções de aprendizagem do ofício e 4) configurar algum nível de generalização no que dizia respeito a essa categoria profissional, ao seu sistema de aprendizagem, regras de funcionamento, relação com o trabalho, rituais de ingresso e de consagração e assim por diante.

Para Dauster (idem), esse tipo de trabalho de campo tem como objetivo "compreender as redes de significado a partir do ponto de vista do 'outro', operando com a lógica e não apenas com a sistematização de suas categorias" (p. 2) e não deve ser interrompido enquanto essa lógica não puder ser, minimamente, compreendida.

sábado, 2 de abril de 2011





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